Microsserviços: Quando Eles Fazem Sentido (E Quando São Só Dor de Cabeça Cara)
A decomposição de sistemas monolíticos em serviços distribuídos. Uma análise sobre critérios de adoção, estratégias de implementação e mitigação de anti-padrões.

James
Backend developer passionate about building scalable systems and sharing knowledge.
Se você acompanha o hype da indústria, já deve ter percebido que microserviços viraram quase um mantra. Tem empresa que ainda nem resolveu os problemas básicos do monólito e já quer sair quebrando tudo em 27 serviços independentes rodando em clusters distribuídos com CI/CD full-automático. Spoiler: isso costuma dar errado.
A verdade é que microserviços não são sobre tecnologia. São sobre organização.
E, historicamente, surgiram porque empresas como Amazon, Netflix e Google haviam crescido tanto que um único repositório monolítico não dava mais conta, nem técnica, nem socialmente.
Vamos conversar sobre quando essa arquitetura faz sentido, quais princípios realmente importam e onde quase todo mundo escorrega.
1. Por Que Microsserviços Viraram Tendência (E Por Que Isso Não Basta Para Você Usar)
Lá nos anos 2010, enquanto startups corriam para escalar, gigantes de tecnologia enfrentavam um problema inédito:
como dezenas de equipes poderiam entregar features sem ficarem travando umas às outras?
O monólito modular funcionava até certo ponto, mas quando você tem 200 devs commitando diariamente no mesmo repositório, qualquer refatoração global vira uma operação militar.
Microsserviços surgiram como resposta a esse caos organizacional. O problema é que:
A maioria das empresas adota microsserviços sem ter o problema que originalmente os criou.
E é aí que nascem os sistemas distribuídos desnecessariamente complexos.
2. Quando REALMENTE Vale a Pena Considerar Microsserviços
Vamos aos critérios sem ilusões nem romantização:
✔ Escalabilidade organizacional
Quando você tem múltiplas equipes que precisam de autonomia para versionar, testar, fazer deploy e quebrar tudo sem derrubar o resto da empresa.
Se sua empresa tem uma equipe de cinco devs, dividir em doze serviços não te dá autonomia, te dá fadiga.
✔ Escalonamento granular
Nem todo módulo cresce do mesmo jeito.
- Sistema de recomendação → CPU e memória
- Upload e processamento → I/O intenso
- API pública → bound por latência
Se cada parte demanda recursos muito diferentes, microsserviços podem ser vantagem.
✔ Heterogeneidade tecnológica
Esse é o famoso “cada problema com a melhor ferramenta”.
Quer rodar machine learning em Python, backend crítico em Go e dashboards em Node? Microsserviços permitem isso sem pôr tudo no mesmo balaio.
3. Os Três Princípios Que Todo Arquitetura Deveria Imprimir e Colar na Parede
Aqui está a parte que parece trivial, mas continua sendo ignorada por empresas gigantes:
3.1 Responsabilidade Única (De Verdade)
O SRP (Single Responsibility Principle) não é só para classes.
Arquitetura também tem responsabilidade única.
Se seu serviço faz:
- login
- gestão de usuários
- emissão de boleto
- notificações
… então ele não é um serviço, é um condomínio.
3.2 Baixo Acoplamento
O maior erro quando se migra para microsserviços é criar dependências escondidas.
- serviços que só funcionam se outro estiver vivo
- payloads enormes
- contratos quebráveis
- versionamento ausente
Se alterar um serviço exige abrir PR em quatro outros, você só distribuiu o monólito.
Não resolveu nada.
3.3 Alta Coesão
Essa deveria ser a regra de ouro:
Coisas que mudam juntas, ficam juntas.
Uma API pública chamando cinco serviços internos para montar uma resposta?
Provavelmente seu design está te cobrando juros.
4. Síncrono, Assíncrono e Como Times Erram Nisso Todo Dia
Comunicação entre serviços é onde o sistema distribuído mostra os dentes.
4.1 Comunicação Síncrona (REST/gRPC)
Simples, familiar, mas perigosa:
- trava o chamador
- espalha latência
- cria acoplamento temporal
Essa é a porta de entrada para o clássico:
“o serviço X está lento → tudo fica lento”.
4.2 Comunicação Assíncrona (Eventos e Mensageria)
RabbitMQ, Kafka, NATS… o ecossistema é vasto.
Vantagens:
- resiliência
- desacoplamento
- tolerância a picos
- reprocessamento
Mas claro: pouca gente sabe modelar eventos direito.
O que era para ser EDA vira um emaranhado de mensagens duplicadas e fluxos difíceis de rastrear.
5. Os Três Maiores Crimes Arquiteturais Cometidos com Microsserviços
Esses aqui são clássicos. Qualquer arquiteto experiente já viu todos, às vezes no mesmo projeto.
1. O Monólito Distribuído
A galera sai abrindo serviços, mas tudo depende de tudo.
Alterar uma função exige um mutirão.
Você ganha:
- latência de rede
- infraestrutura mais cara
- deploy mais difícil
… e nenhum benefício real.
2. Banco de Dados Compartilhado
Esse é quase um pecado capital.
Se vários serviços escrevem no mesmo banco, você:
- quebra isolamento
- perde autonomia
- cria dependências invisíveis
- amarra evoluções de schema
Banco por serviço não é moda, é base da arquitetura.
3. Nanosserviços (o famoso over-engineering)
Se você tem serviços tão pequenos que parecem funções distribuídas, você criou complexidade acidental.
Mas é sempre o mesmo discurso:
“Estamos sendo mais escaláveis.”
Não.
Você está sendo mais infeliz.
6. Fechando a Conta: Microsserviços Não São Bala de Prata
Toda empresa que estudou minimamente a história chega à mesma conclusão:
Comece com monólito modular e extraia serviços quando existir um motivo real.
Microsserviços exigem maturidade em:
- DevOps
- observabilidade
- tolerância a falhas
- automação
- cultura de versionamento
- modelagem de domínio
Ou você entra preparado, ou vira refém da própria arquitetura.
Share this article